A FLIP e o seu arquétipo de literatura

Eu fui à FLIP, mas não como autor convidado, mesmo que meu livro estivesse sendo vendido lá. Fui porque é o encontro da literatura, ou como diz o...

Eu fui à FLIP, mas não como autor convidado, mesmo que meu livro estivesse sendo vendido lá. Fui porque é o encontro da literatura, ou como diz o slogan da feira: “É o encontro da literatura com a cidade”. Mas que cidade? E que literatura?

A FLIP deste ano homenageou a escritora modernista Pagu ou Patrícia Galvão, uma mulher à frente do seu tempo, que, como afirmaram várias vezes nas mesas, fazia o que não se esperava dela. E a feira honrou Pagu. As escritoras eram maioria nos diálogos, e suas falas foram libertárias.

Como podem supor, não tenho lugar de fala, mas me senti contemplado com as falas daquelas diversas mulheres que consegui assistir. E aí vai o primeiro problema: são muitas atividades acontecendo ao mesmo tempo, e é difícil acompanhar tudo. Por isso, acabamos escolhendo ouvir quem falará o que queremos ouvir. Não saímos da bolha.

Fiz um exercício contrário, fui ouvir o que se opunha aos meus anseios. Fui ouvir o Armínio Fraga. Queria dialogar com suas interpretações, mas a mesa foi decepcionante. Não por causa do Armínio, mas seu debatedor parece ter ficado intimidado pela figura ao seu lado e não explorou a potencialidade daquela conversa. Saí dali e fui assistir uma mesa com Úrsula Antunes, Kellen Dias, Leila Mendes e mediação da também escritora Juliana Matos. Foram falas fortes de mulheres que tiveram de superar o machismo mais arraigado para escrever e exercer sua nova profissão, para algumas adquirida depois dos 70 anos.

Vi também a mesa com o encantador Ronaldo Fraga. O multiartista foi cativante com suas histórias, que estão no livro biográfico “Ronaldo Fraga – um estilista coração de galinha”. Outra mesa muito boa aconteceu na quinta-feira com Socorro Acioli, Felipe Charbel e Leda Cartum: foi uma construção coletiva de um diálogo agradável sobre literatura e vidas.

Mas está na hora de responder às provocações que fiz lá no início. Que cidade? Andando por Paraty, pude perceber que a cidade só se importa com a feira pelo seu potencial turístico. Sua pouca representação como espaço literário ficou reduzida a um pequeno palco do outro lado do canal, aonde a maioria não vai. Que literatura? Apesar da representação feminina, outras representações literárias ficaram alijadas. Conceição Evaristo foi um sucesso nas atividades paralelas, mas passou longe das mesas principais, e os indígenas só estiveram na feira com seu canto triste em busca de esmolas dos “turistas”, mesmo que agora tenhamos um representante dos povos originários na ABL.

*Leonardo Bruno da Silva é professor de História da rede pública de ensino há 20 anos. Doutor e mestre em História Política, também é escritor e publicou o livro “O coronel que queria matar o presidente”