Rebeca Andrade leva seu ‘Baile de favela’ ao pódio em Tóquio e dá ao Brasil medalha inédita na ginástica

Uma medalha de prata para coroar a trajetória olímpica tipicamente brasileira, que começou em um bairro pobre de Guarulhos, em São Paulo, e chega ao pódio em Tóquio 2020. A ginasta...

Uma medalha de prata para coroar a trajetória olímpica tipicamente brasileira, que começou em um bairro pobre de Guarulhos, em São Paulo, e chega ao pódio em Tóquio 2020. A ginasta brasileira Rebeca Andrade fez história ao conquistar o segundo lugar na fina individual geral, na manhã desta quinta-feira. É a primeira medalha da equipe feminina de ginástica artística na história dos Jogos Olímpicos. Com uma performance embalada ao som de Baile de favela, a atleta teve um desempenho sólido na disputa e encerrou a prova com 57.298 pontos. Ficou atrás apenas da norte-americana Sunisa Lee, que levou o ouro ao somar 57.433 pontos, A russa Angelina Melnikova marcou 57.199 pontos ao todo e levou o bronze.

Rebeca Andrade, 22 anos, foi impecável nos quatro aparelhos da final: fez 15.300 no salto, 14.666 nas assimétricas, 13.666 na trave e 13.666 no solo. Ela ainda tem chances de medalha na decisão do salto, que será disputada no próximo domingo, e no solo, em 2 de agosto. Este foi o primeiro triunfo da ginástica do Brasil nesta Olimpíada.

“Essa medalha não é só minha, é de todo mundo. Todos sabem da minha trajetória, o que eu passei. Se eu não tivesse cada pessoa dessa na minha vida, isso aqui não teria acontecido. Tenho certeza disso. Sou muito grata a todo mundo mesmo. Acho que mesmo se eu não tivesse ganhado a medalha, eu teria feito história, justamente pelo meu processo para chegar até aqui. Não desistam, acreditem no sonho de vocês e sigam firmes”, comemorou a atleta em entrevista à TV Globo após a conquista histórica.

Rebeca chegou à final como uma das favoritas, após receber a segunda melhor soma de notas da etapa classificatória. Ela ficou atrás apenas do fenômeno da ginástica Simone Biles ―que celebrou, da arquibancada, a vitória da brasileira. A americana, seis vezes medalhista olímpica, deveria disputar a medalha com a brasileira, mas tomou uma decisão corajosa antes da final, e se afastou dos Jogos para cuidar de sua saúde mental após mostrar esgotamento e um desempenho instável nas provas, que fizeram com que ela fosse sacada do time: “Eu senti que seria melhor ficar em segundo plano, trabalhar minha concentração e bem-estar”, afirmou. Ela foi substituída na final por Jade Carey, a terceira melhor ginasta dos Estados Unidos.

 

A guarulhense Rebeca, que disputa sua segunda Olimpíada, cativou a torcida brasileira —e surpreendeu os juízes— ao se apresentar nas qualificatórias ao som de uma versão orquestrada de Baile de favela, do funkeiro paulistano MC João. A música de 2015 é um ícone nos bailes das periferias de São Paulo, e se tornou símbolo de uma cultura e de uma juventude frequentemente menosprezadas e marginalizadas pelas elites do país. “Trazer a cultura funk para o outro lado do mundo foi incrível”, afirmou a ginasta, filha de uma empregada doméstica, ao deixar o tablado.

A música escolhida se soma ao histórico da seleção feminina brasileira de ginástica de cativar o público com apresentações descontraídas. Foi o caso de Daiane do Santos, que encantou o mundo com uma performance ao som do choro Brasileirinho de Waldir Azevedo —que lhe rendeu medalha de ouro no Mundial de 2003. Ela chegou a disputar as finais em Pequim 2008, mas ficou pelo caminho. O fato é que até o advento de Rebeca em Tóquio 2020, a inventividade das ginastas do país animava a torcida e rendia aplausos nas arquibancadas, mas não se traduzia em medalha nas Olimpíadas.

Rebeca Andrade na trave.
Rebeca Andrade na trave.MIKE BLAKE / REUTERS

A caminhada de Rebeca rumo a Tóquio foi marcada por lesões. Ela precisou realizar duas cirurgias nos joelhos, em 2017 e 2019, após se machucar em competições. A atleta ficou afastada dos tablados por quase oito meses. “Muitas lesões ocorrem nestas condições e ela se machucou por estar tentando fazer o seu melhor. Estamos muito confiantes de que ela voltará a competir no mesmo estágio em que se encontra”, afirmou à época o técnico Valeri Liukin em entrevista à TV Globo. Apesar do otimismo, caso a Olimpíada não tivesse sido adiada devido à pandemia do novo coronavírus, dificilmente a ginasta conseguiria se classificar para os Jogos e disputar em alto nível em 2020.

Durante os Jogos de Tóquio, Rebeca mostrou que faz parte desta nova geração de atletas que não se furta a opinar sobre as principais questões de seu tempo. Ela fez questão de manifestar solidariedade às ginastas alemãs, que em uma atitude contra o sexismo no esporte usaram um uniforme diferente, com calças no lugar do tradicional collant. “Isso está sendo uma conquista enorme para as mulheres (…) A conquista delas é conquista nossa”, disse a brasileira. “As pessoas têm que nos respeitar, a gente tem que usar o que se sente confortável e diminuir ao máximo esse lado sexualizado da mulher”.

O começo de Rebeca na modalidade se deu ainda criança, graças a uma tia que trabalhava no Ginásio Bonifácio Cardoso, na Vila Bonifácio, em Guarulhos. Ela resolveu levar a sobrinha ao local: a ideia era que a pequena, cheia de energia, pudesse se distrair um pouco e dar um sossego em casa. Rapidamente ela mostrou desenvoltura na modalidade, o que lhe rendeu o apelido de “Daiane dos Santos 2″. Deu no que deu.

Rebeca Andrade (à direita), com Sunisa Lee (EUA) e Angelina Melnikova (Rússia) no pódio nos Jogos Olímpicos 2020.
Rebeca Andrade (à direita), com Sunisa Lee (EUA) e Angelina Melnikova (Rússia) no pódio nos Jogos Olímpicos 2020.MIKE BLAKE / REUTERS

 

Reprodução: El Pais