No Colégio Cristo Rei, em São Paulo, os livros didáticos de geografia, história e ciências dos primeiros anos do ensino fundamental foram abolidos neste ano. Entre os recursos adotados no lugar do material tradicional está o Joca, jornal de atualidades voltado para crianças.
A mudança não foi repentina. O flerte da escola privada católica com o periódico infantil começou quando Simone Costa, coordenadora pedagógica dos ciclos iniciais, conheceu o jornal em 2016.
“Achei muito interessante, informativo e divertido. Propus que o colégio começasse a comprar alguns exemplares e passei a deixar um por turma.”
O envolvimento rápido dos estudantes e a percepção de que isso auxiliava a aprendizagem levou a escola ampliar -com apoio dos pais- a utilização do periódico até que ele substituísse parte das funções dos livros didáticos.
Segundo Simone, como o jornal (cuja assinatura anual custa R$ 142) é quinzenal e trata de notícias atuais, não falta gancho para combiná-lo ao conteúdo previsto no currículo.
“Já usamos uma matéria sobre vacinação numa aula de ciências que tratava da importância dos cuidados com o corpo”, diz a coordenadora.
Na Escola Crescimento, em São Luís, no Maranhão, que também é particular, a incorporação do Joca ao cotidiano dos alunos tem aumentado gradualmente, mas com uma proposta diferente.
“Não quisemos escolarizar o trabalho com o jornal. Ele é usado para incentivar a leitura de forma mais informal”, diz Fernanda Calado, gestora pedagógica do ensino fundamental na escola.
Segundo ela, a iniciativa tem surtido efeito: “Os alunos começaram a perceber como a leitura pode ser prazerosa”.
Usado por estudantes do segundo e terceiro anos da Crescimento, o Joca chegará às turmas do quarto ano em 2020.
Os casos das duas escolas ilustram bem a trajetória do jornal. Criado em 2011 pela administradora Stéphanie Habrich, o Joca encerrou seu primeiro ano com 500 assinantes. Foi crescendo e atingiu, em 2019, 30 mil assinaturas, contra 17 mil em 2018.
A maioria dos exemplares é destinada aos mais de 250 colégios privados que utilizam o periódico e o incluem na lista de material didático obrigatório, paga pelas famílias.
No caso dos 550 colégios públicos que recebem o jornal, ele é doado pela editora Magia de Ler, que o publica, ou por patrocinadores.
Uma exceção é o município de São Paulo, que fechou neste ano um contrato para introduzir o Joca nos primeiros anos do ensino fundamental. O pacote, bem mais enxuto que o das instituições particulares, destina 15 exemplares para cada escola.
Embora comemorados por Stéphanie, que fez sua carreira pregressa no mercado financeiro, os resultados ainda estão longe de seu objetivo: “Adoraria que as assinaturas já fossem suficientes para tornar o jornal semanal”, diz.
Nascida na Alemanha, filha de pai alemão e mãe francesa, Stéphanie veio para o país com oito anos, mas continuou recebendo pelo correio jornais e revistas infantis europeus. A ausência desse tipo de publicação no Brasil sempre chamou sua atenção.
“A França tem dez jornais para crianças, a maioria diários. Os Estados Unidos têm mais de 30”, conta.
Segundo Stéphanie, a penetração do Joca é maior do que o sugerido pelo número de assinantes porque, nas escolas públicas, um mesmo exemplar circula entre várias crianças.
Há também situações em que o jornal é emprestado pelos colégios públicos que o recebem para outros do mesmo bairro. É o caso da escola estadual Henrique Dumont Villares, em São Paulo, que repassa seus exemplares para outras 11 instituições.
“Se atrasamos, as escolas ligam perguntando se o Joca já está a caminho”, conta Nádia Moya, coordenadora pedagógica da escola.
Alunos da escola estadual Henrique Dumont Villares relatam vários motivos pelos quais gostam de se informar.
“Leio o Joca em casa com meus pais, isso ajudou a melhorar minha leitura”, diz Ester Pimenta Assunção, 8, do 3º ano do fundamental.
“O jornal me ajuda a perceber o que há no mundo, de forma mais descontraída”, afirma Cauã Silva de Souza, 10, do 5º ano.
Nádia diz acreditar que o Joca contribuiu para um salto na nota da escola no Idesp (índice que mede a aprendizagem em São Paulo) de 4,98, em 2013, para 7,58, em 2018.
O caso foi relatado por ela no livro “Inovações Radicais na Educação Brasileira”, recém lançado pela editora Penso, com apoio das universidades americanas Columbia (Nova York) e Stanford (Califórnia) e do Lemann Center.
Além dos ganhos em leitura e repertório, coordenadores pedagógicos contam que o contato com certas notícias também desperta a solidariedade.
O rompimento da barragem em Brumadinho, por exemplo, levou a redação do Joca a receber 2.200 cartas e desenhos de escolas de todo o país para crianças da cidade mineira. Outros casos de impacto do jornal foram reunidos pela Magia de Ler na coletânea “Histórias de Sala de Aula”, que será distribuída anualmente de forma gratuita para todo o país.
Por Érica Fraga / Folhapress