
Por Wilton Emiliano Pinto*
Às vezes, ouvimos dizer que cuidar do corpo é bobagem, vaidade vazia, capricho superficial.
Mas só quem já se encarou no espelho numa manhã difícil entende: o corpo não é aparência.
É morada.
É nele que o tempo escreve seus dias.
É por ele que o mundo nos alcança.
É nele que a alegria encontra forma de sorriso e que o cansaço aprende a pesar nos ombros.
Há dias em que nos esquecemos de nós mesmos.
Dormimos mal, pulamos refeições, caminhamos apressados sem sequer sentir os pés no chão.
Vamos sobrevivendo dentro do corpo como quem ocupa uma casa abandonada, sem janelas abertas, sem cuidado, sem presença.
E o corpo sente. Sempre sente.
Ele nos responde em silêncios:
na postura curvada, no olhar opaco, na roupa que parece pesar além do tecido.
Quando descuidamos dele, algo em nós também se desalinha.
É como se o mundo perdesse um pouco de cor, não porque o dia mudou, mas porque nós mudamos por dentro.
Já experimentei isso: olhar para o espelho e ver alguém apagado, distante de si mesmo.
Não era a falta de beleza que me incomodava, era a ausência de cuidado.
O abandono discreto que não deixa marcas visíveis, mas risca fundo a alma.
Então, um banho demorado vira oração silenciosa.
Uma roupa limpa transforma o corpo em casa outra vez.
Arrumar o cabelo não é vaidade, é gesto de reconciliação consigo mesmo.
É dizer ao espelho: “Eu ainda me importo.”
Cuidar da aparência é, no fundo, cuidar do ânimo.
É alinhar por fora aquilo que tenta se recompor por dentro.
Quando passamos a mão no próprio rosto com atenção, é como se tocássemos também nossos pensamentos e os convidássemos a descansar.
Não se trata de padrões, de roupas caras ou de beleza inventada.
Trata-se de dignidade.
Da delicadeza de existir sem se tratar como resto no próprio dia.
Há pessoas que confundem o descuido com desapego,
como se abandonar o corpo fosse sinal de liberdade espiritual.
Mas não é.
Descuido não é transcendência.
É, muitas vezes, cansaço acumulado que pede socorro.
O belo não precisa ser perfeito.
Precisa estar vivo.
Um corpo cuidado comunica presença.
Diz, mesmo sem palavras: “Estou aqui inteiro.”
E presença transforma ambientes.
Quem se respeita espalha uma forma silenciosa de aconchego ao seu redor.
Somos corpo.
Não apenas o possuímos, nós o somos.
É ele que nos permite tocar mãos queridas, caminhar ruas antigas, abraçar memórias, sorrir para quem amamos.
Tudo que somos passa, primeiro, por esse território sensível chamado pele.
Quando cuidamos dele, organizamos mais do que a aparência:
arrumamos a própria existência.
Olhar no espelho e encontrar alguém alinhado consigo traz uma calma que não se explica, apenas se sente.
O dia muda de tom.
A vida parece menos pesada.
A gente lembra que viver pode ser suave.
Cuidar do corpo é cuidar da vida que pulsa por dentro dele.
É escolher presença em vez de abandono.
É transformar pequenos gestos, banho, roupa limpa, postura ereta, cheiro leve, em declarações diárias de amor próprio.
Não por vaidade.
Mas por respeito.
Porque habitar-se bem é uma das formas mais bonitas de existir.