Do planejamento ao bordado e à logística: o papel da tecnologia especializada na moda

Se existe uma indústria em que tempo, precisão e adaptabilidade são decisivos, é a da moda. Sazonalidade, coleções em rápida sucessão, múltiplos canais de venda, estoques descentralizados e uma cadeia produtiva altamente fragmentada pela terceirização compõem um cenário no qual a margem para erro precisa ser mínima. Nesse contexto, a Transformação Digital precisa ir além da digitalização básica, pois exige sensibilidade, estratégia e ferramentas moldadas sob medida.

Durante anos, empresas do setor adotaram soluções de gestão genéricas, acreditando que bastaria integrar processos para alcançar eficiência. O problema é que, na moda, o “como” faz tanta diferença quanto o “quanto”. Trabalhar com grades complexas, numerações variáveis de peças, coleções sobrepostas e múltiplos fornecedores exige mais do que tecnologia robusta – requer inteligência aplicada ao contexto.

Nesse sentido, a personalização começa na base, já que desde o planejamento da demanda até a logística de distribuição, cada etapa precisa considerar as particularidades do setor. Uma estratégia eficiente, por exemplo, pode unir modelos de produção sob demanda e para estoque, equilibrando custos e tempo de resposta.

Da mesma forma, sistemas inteligentes de verificação de disponibilidade permitem que empresas priorizem entregas com base em critérios estratégicos, como margem, relevância do cliente ou tempo comercial.

Outro problema frequente no setor está na subcontratação, uma vez que é comum que uma única peça passe por diversos fornecedores, que vai do bordado à lavagem, cada um com seu ritmo e particularidades fiscais. Com isso, para lidar com essa complexidade, soluções avançadas têm apostado em aceleradores e integrações específicas, conectando automaticamente notas fiscais, comprovantes de serviço e ordens de produção, reduzindo o risco de falhas e aumentando a rastreabilidade.

Indo além em outras especificidades deste mercado está o planejamento de coleções. A importação, que é muito comum neste meio, ocorre cerca de quatro meses antes da produção e, nesta etapa, várias áreas são envolvidas, da produção ao marketing. Ter uma tecnologia que permita trabalhar o planejamento da demanda e a capacidade de produção utilizando a inteligência de mercado é essencial para controlar o ciclo de vida do produto a ser lançado.

E, claro, o uso da Inteligência Artificial (IA) não poderia deixar de ser citado como um acelerador de projetos para antecipar decisões. Os mais recentes softwares de gestão já disponibilizam funções que permitem amadurecer o processo de gestão dessas empresas na velocidade em que elas necessitam para não perderem o timing de seus processos.

Por fim, mas não menos importante, não podemos deixar de falar sobre as aplicações voltadas à rastreabilidade e à sustentabilidade, que são temas urgentes em uma indústria historicamente marcada pela informalidade em partes da cadeia e que podem auxiliar na construção de um mercado mais justo, principalmente pelo fato da indústria têxtil e de confecção ser o segundo maior setor empregador no Brasil.

No fim das contas, não se trata apenas de implementar tecnologia, mas de garantir que ela tenha o mesmo ritmo, a mesma fluidez e a mesma adaptabilidade da moda. Quem domina esse setor sabe que uma coleção perdida pode significar mais do que um trimestre ruim, pode comprometer a relevância da marca no mercado.

Por isso, mais do que tecnologia, o setor precisa de soluções que falem a mesma língua. Que compreendam sua lógica, antecipem ciclos e entreguem valor com agilidade e assertividade. Em um mercado em que cada decisão impacta diretamente na competitividade, a especialização deixou de ser diferencial e passou a ser requisito.

*Renato Assis é gerente de projetos da Ábaco Consulting, boutique consultiva de negócios focada em gestão e parceira da SAP, com especialização no mercado fashion.

Com Renato Assis