Planos de saúde passam a atender pacientes do SUS em programa do governo federal

Iniciativa do Ministério da Saúde permite que operadoras privadas quitem dívidas prestando serviços à rede pública; oncologia e ginecologia estão entre áreas prioritárias

Parceria inédita amplia atendimento especializado pelo SUS

 

A partir de agosto, parte dos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) poderá ser atendida por planos de saúde privados sem qualquer custo adicional. A medida integra o programa Agora Tem Especialistas, lançado pelo Ministério da Saúde, com o objetivo de reduzir filas e ampliar o acesso a consultas, exames e cirurgias de média e alta complexidade.

O diferencial da proposta está na forma de financiamento: em vez de pagamentos diretos, as operadoras de planos de saúde poderão trocar dívidas com o governo por prestação de serviços à população do SUS. O edital com as regras de adesão será publicado no dia 4 de agosto, e o sistema para cadastro das operadoras será aberto no dia 11.

Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, a expectativa é de que os atendimentos comecem ainda em agosto. “Com o reforço da rede privada, o tempo de espera no SUS será reduzido, especialmente em áreas críticas como oncologia e ginecologia”, afirmou.

Por que planos privados atenderão pacientes do SUS?

 

O novo modelo visa utilizar a capacidade ociosa da rede privada para desafogar a demanda represada no SUS. A iniciativa se baseia na legislação que obriga as operadoras a ressarcirem o sistema público quando seus beneficiários utilizam serviços da rede estatal — uma regra que, na prática, tem sido amplamente descumprida.

A professora Ligia Bahia, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, avalia a medida como positiva:

“Essas dívidas dificilmente seriam pagas, já que são judicializadas e transformadas em ativos financeiros. Trocar isso por atendimento real à população é uma boa ideia.”

O passivo acumulado das operadoras com o SUS gira em torno de R$ 1,3 bilhão. A expectativa do governo é que cerca de R$ 750 milhões sejam quitados já em 2025, por meio da prestação de serviços.

Como funcionará a adesão das operadoras?

 

Após a publicação do edital, os planos de saúde interessados deverão se cadastrar voluntariamente na plataforma InvestSUS. Para serem aceitos, precisarão comprovar capacidade técnica, regularidade fiscal e estrutura para realizar ao menos 100 mil atendimentos mensais — ou 50 mil, em regiões com menor oferta de serviços.

O Ministério da Saúde avaliará as propostas com base nas necessidades apontadas por estados e municípios. As operadoras aprovadas terão seu rol de serviços disponibilizado às gestões locais, que farão os encaminhamentos conforme a regulação do SUS.

O paciente poderá escolher ser atendido por um plano de saúde?

 

Não. O paciente seguirá sendo atendido pela rede pública normalmente, e o direcionamento para atendimento via plano de saúde será feito pelo sistema de regulação do SUS. A escolha da unidade, pública ou privada, caberá às autoridades sanitárias, de acordo com a oferta disponível e a demanda local.

“O fluxo permanece o mesmo, mas agora com mais velocidade”, disse Padilha. “O reforço da rede privada vai permitir mais cirurgias, consultas e exames para quem depende do SUS.”

Regiões e especialidades com prioridade

 

A divisão regional da prestação de serviços leva em conta o volume de demanda reprimida. O Sudeste concentrará 36,5% dos atendimentos. Em seguida vêm o Nordeste (24%), Sul (11,5%), Centro-Oeste (10%) e Norte (10%). Outros 10% serão reservados para serviços considerados estratégicos em qualquer região do país.

As especialidades prioritárias no programa são: oncologia, oftalmologia, ortopedia, otorrinolaringologia, cardiologia e ginecologia. No entanto, o Ministério da Saúde também avaliará a demanda específica de cada estado e município.

Há risco de prejuízo aos beneficiários dos planos?

 

Segundo a diretora-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Carla de Figueiredo Soares, haverá mecanismos rigorosos de fiscalização para garantir que os atendimentos do SUS não prejudiquem os clientes dos planos.

“Não haverá qualquer margem para que as operadoras priorizem o SUS em detrimento de seus usuários”, declarou.

O presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Gustavo Ribeiro, classificou o programa como “um avanço importante na integração entre os sistemas público e privado”.

Desafios e limitações do novo modelo

 

Apesar da receptividade inicial, especialistas alertam para os obstáculos. Entre eles, a dificuldade de precificar corretamente os serviços prestados em relação às dívidas e a adesão efetiva das operadoras, que historicamente resistem ao ressarcimento.

Outro ponto sensível é o perfil das operadoras interessadas. Ligia Bahia ressalta que aquelas com maior dívida tendem a oferecer cobertura restrita, o que pode indicar que seus beneficiários já recorrem ao SUS com frequência. Além disso, há preocupação com a qualidade dos atendimentos oferecidos.

“Se o programa der certo, poderia se tornar uma política permanente. Mas isso exigiria uma estrutura mais robusta de governança e fiscalização, para evitar que seja apenas uma ação pontual do governo atual”, defende.

Com Assessoria