Filme aborda as intersecções da imigração negra em Lisboa e Cuiabá

Em 2017, o diretor Rodrigo Zaiden, realizou um intercâmbio em Lisboa, Portugal. No país, experimentou na pele condições e contradições que a imigração traz. De um lado, a...

Em 2017, o diretor Rodrigo Zaiden, realizou um intercâmbio em Lisboa, Portugal. No país, experimentou na pele condições e contradições que a imigração traz. De um lado, a exclusão por ser brasileiro e negro. De outro lado, o afeto e a confiança que teve com inúmeras pessoas pretas, principalmente dos Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP), que também tentavam uma nova vida em terras lusitanas.

“Percebi que apesar da diversidade de origem das pessoas que estabelecia laços de amizade, como Moçambique, Cabo Verde, Angola, Guiné Bissau e Brasil, todas passavam pelas mesmas situações da imigração, principalmente, por estarmos no país que colonizou os nossos países. Daí que surgiu a ideia de registrar esses diálogos, para que pudéssemos expressar nossas reflexões sobre temas que nos circundavam, mas também a milhões de pessoas, por questões sociais, ambientais ou raciais”, pondera Zaiden.

“Inicialmente, o objetivo era enfocar apenas em histórias de vida que se cruzavam em Lisboa. Mas quando me mudei para Mato Grosso em 2019, percebi que os problemas da imigração se repetiam em Cuiabá com pessoas negras de Haiti, Moçambique, Venezuela, entre outras. Apesar da diversidade de suas origens, as intersecções ocorrem tanto lá, quanto cá e poderiam vir à tona, complementando o filme e o entendimento artístico sobre o assunto”, pontua Zaiden.

Partindo de contextos individuais, contudo de duas diferentes territorialidades/países; o filme desvela situações limítrofes da imigração, percorrendo memórias, identidades e territórios físicos e simbólicos, humanizando um tema tão urgente, que atinge milhões de pessoas. Surgem histórias como as de Lígia, Marvinda e Ka Codé, em Lisboa; ou de Lídia, Uzak e Silvina em Cuiabá; suas relações com as mudanças, o processo de adaptação, as relações afetivas e de trabalho, a luta pelos direitos humanos e por cidadania.

Com a aprovação do filme no edital MT Nascentes da Lei Aldir Blanc da Secretaria de Estado de Cultura, Esportes e Lazer de Mato Grosso (SECEL-MT), o projeto pode voltar a campo em 2021 e realizar novas gravações em Lisboa e Cuiabá, bem como o processo de edição/finalização. A brasileira Lígia e a Moçambicana Marvinda, por exemplo, viram as próprias gravações antigas e fizeram novas reflexões.

Segundo o titular da SECEL-MT, Alberto Machado, o filme retrata um tema bastante relevante na atualidade. “Mais do que a intersecção entre os contextos de imigrantes em locais diferentes, o projeto mostra as convergências entre cultura e a sensibilização do público quanto ao direito à cidadania de todos os povos. É mais uma iniciativa da qual temos satisfação em apoiar e dar visibilidade por meio de nossos editais”.

Hibridação

Para realizar a gravação em Portugal e Mato Grosso em 2021, o projeto contou com uma equipe híbrida, composta por profissionais de vários Estados de Brasil como Mato Grosso, Rio de Janeiro e Minas Gerais, bem como de Lisboa, seguindo à risca todos os protocolos e medidas de segurança à Covid-19.

Além disso, para o diretor, o fomento público é extremamente importante para finalizar uma produção artístico-cultural com a melhor qualidade técnica e a empregabilidade de todos os profissionais necessários para uma produção fílmica, o que no caso do filme foram em sua maioria mulheres, negros e imigrantes.

“Em 2017 pude gravar apenas com um celular e uma câmera GO PRO e a equipe era apenas eu e o parceiro de roteiro. Em 2021, com o financiamento da Lei Aldir Blanc, o trabalho pode ganhar outras camadas técnicas que são importantes para dar um salto na área do audiovisual e também na abordagem cinematográfica sobre a imigração dos povos negros na atualidade”.

O objetivo do filme é amplificar as vozes das pessoas negras em situação de imigração de maneira a chamar atenção principalmente do poder público, responsável por propor soluções e atender as demandas destas comunidades. Segundo o governo mato-grossense entre 2010 e 2018, sem contabilizar os imigrantes ilegais, Cuiabá recebeu mais de 3,5 mil haitianos. Em Portugal, os brasileiros representam o maior número de imigrantes, somando mais de 151,3 mil pessoas vivendo legalmente. Só em 2019, 38 mil brasileiros migraram para o país lusitano.

“Registramos os modos como a imigração impacta diferentes pessoas de distintas culturas e nações, por um lado e, por outro, como essas pessoas se interseccionam num contexto urbano global de uma nação que não é a sua, produzindo novas formas de viver, identidades e resistências. O mesmo brasileiro que sofre racismo como imigrante em Portugal é o que pratica o preconceito com outros imigrantes em Cuiabá. Este ciclo de exclusão ao outro, ao estrangeiro, precisa ter fim, já que o direito de ir e vir está amplamente expresso em todos os documentos internacionais e na constituição federal de Brasil e de Portugal”, finaliza a codiretora Karen Ferreira.

Com assessoria