Tradição se funde com novas tecnologias

Nascida numa grande família de artesãos da cerâmica, num bairro onde a tradição impera, Cleide Rodrigues disse sim para outras tecnologias e passou a adotar o molde em...

Nascida numa grande família de artesãos da cerâmica, num bairro onde a tradição impera, Cleide Rodrigues disse sim para outras tecnologias e passou a adotar o molde em sua produção e fazer a queima em forno elétrico. As novidades, no entanto, não tiraram o caráter artesanal das peças, que continuam a ter um acabamento manual e individualizado, feito com o tradicional tauá (nome indígena que se dá ao barro fino utilizado pelos índios para pintar e polir as peças).

A mudança aconteceu por volta de 2001, quando ela participou de um programa de artesanato do Sebrae em Mato Grosso. Os moldes para a galinha d’angola, carro-chefe de sua produção, foram desenvolvidos a partir de uma parceria entre Sebrae e Senai (Serviço Nacional da Indústria), e serviram para padronizar as peças, dinamizar e dar escala à produção. Já o forno elétrico, além de reduzir o tempo de queima de 13 para 7 horas, diminui as perdas provocadas por rachaduras e peças quebradas, sem falar que possibilitou padronizar a cor.

Isso permitiu que a artesã conquistasse outros mercados fora de Mato Grosso e mudasse radicalmente a forma de encarar seu trabalho e sua produção. Hoje, adota conceitos de marca, layout, marketing, formação de preço, sem falar que adota embalagens adequadas e sabe o “caminho das pedras” da logística.

Ao participar de outro trabalho proposto pelo Sebrae, o desenvolvimento de uma coleção de produtos chamada Vazante, criados durante uma oficina coordenada pela artista plástica e designer Heloisa Crocco, ela ampliou o universo das galinhas que passou também a contar com uma linha de utilitários – saleiro, paliteiro, porta-ovos, prendedor de guardanapos – , e criou outros bichos – tamanduá, capivara, tatu e as simpáticas vaquinhas estampadas com flores que remetem à chita das vestimentas do siriri (uma tradição local).

E mais, os produtos ganharam vários tamanhos, o que, segundo Cleide, abre mercado e estimula as vendas. “Muita gente compra ‘famílias’ inteiras de bichos”, relata.

A padronização e a produção feita com parte do processo em escala resultaram na comercialização dos produtos para as redes Tok&Stok e para o Grupo Pão de Açúcar. A produção de um mês que era de cerca de 100 peças, passou a ser feita em apenas um dia, chegando a mil por mês, por causa dos acabamentos que continuam sendo artesanais e individualizados. “O primeiro pedido que recebi da Tok&Stok foi de 800 peças para entregar em 45 dias”, relembra a artesã. Daí em diante, foram milhares de peças produzidas e comercializadas nas lojas da rede em todo o Brasil. Os pedidos eram tantos que a família inteira participava da produção, que começava de manhã se estendia até meia noite. As duas filhas ajudavam no acabamento, pintura e polimento, e o marido José Luis Antunes Pereira deixou o emprego para se dedicar ao artesanato. Até hoje, é o responsável por fazer os moldes das peças novas que são criadas por Cleide. Ela revela que só deixou de vender para as grandes redes nacionais para se dedicar aos cuidados da mãe que estava doente. “Foi muito bom, tinha muita cobrança, mas valeu a pena. Nunca recebi nenhuma reclamação referente à qualidade dos produtos”.

Mercado regional

Hoje, continua produzindo as “famílias” de galinhas d’angola, além de outros bichos e, mais recentemente, bonecas (namoradeiras ou não) de vários tipos, tamanhos (três cada uma) e cores. Todas feitas com moldes e detalhes únicos de cabelo, rosto e vestuário.

Os produtos são comercializados em Cuiabá, na Casa do Artesão, segundo ela a que mais compra, no Sesc Arsenal, em lojas  de decoração e souvenirs. Além da capital, vende para Chapada dos Guimarães e outras cidades do Estado. Cleide produz ainda peças para como casamentos, aniversários, eventos empresariais, brindes corporativos, etc.

Aos 49 anos, prestes a completar 50 (no próximo dia 5 de outubro), continua vivendo de artesanato. Para ela, o artesanato é um dom. Você nasce com ele, mas tem acompanhar o mercado. “O Sebrae traz as inovações que são necessárias para fazer o que o mercado exige, mas não podemos perder nossa essência, nossa origem”, constata feliz o caminho que tomou.

Um pouco de história

Assim como quase todas as meninas, jovens e mulheres que moram na tradicional comunidade de São Gonçalo Beira Rio, localizada às margens do Rio Cuiabá, a cerca de 3 km do centro da Capital, Cleide começou a modelar o barro cedo. Desde os 10 anos já fazia peças em cerâmica ao lado da mãe, das três tias (irmãs de seu pai) e das primas, no Centro de Produção, onde parte do que faziam era vendida – muita coisa ia para a Casa do Artesão, na época gerenciada pelo governo do Estado.

Diferente dos adultos que se dedicavam às moringas, potes, vasos, travessas, Cleide sempre gostou de fazer peças menores, reproduzir em barro o que tinha por perto de casa, no quintal. Assim, nasceu a paixão pelas galinhas, pelas angolas e bichos do Pantanal. “As minhas peças sempre vendiam facilmente. Eram pequenas e agradavam aos turistas. Aos poucos fui aprimorando e criando coisas mais difíceis, que sempre tem mais saída”.

Até hoje, suas galinhas são uma referência e “forram” prateleiras na Casa do Artesão, agora administrada pelo Sesc. As peças continuam fazendo muito sucesso entre turistas e também entre locais.

Para Cleide, a beleza e originalidade do seu trabalho foram fatores de peso para ganhar o mercado nacional, mas isso só possível graças o fortalecimento da marca, a diversificação e qualidade dos produtos, pontualidade na entrega e soluções de logística adotadas.

Por Sebrae-MT